Em
vez de exigir a retirada de amostras para confirmar a veracidade dos
artigos da coleção egípcia da instituição, a verificação é feita por
dois métodos não-destrutivos que lembram procedimentos médicos:
fluorescência por raios X e tomografias computadorizadas.
O estado de saúde, claro, já foi diagnosticado
faz tempo: elas estão mortas, há milhares de anos. Mas outras
informações mais interessantes podem advir da pesquisa. Por exemplo:
será que uma dada múmia pertence mesmo ao sarcófago em que está alojada?
Fluorescência
O teste de fluorescência pode ajudar a sanar a
dúvida. "Comparando os pigmentos usados na pintura do tecido que envolve
a múmia aos da caixa externa, podemos confirmar se formam um par", diz
Ricardo Tadeu Lopes, do programa de energia nuclear da Coordenação de
Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Foi de seu laboratório na UFRJ que emergiu o novo protocolo
para o estudo de múmias e outros objetos arqueológicos.
O grande segredo da técnica não é tanto o
conjunto de equipamentos que os cientistas usam, mas a forma como as
informações são processadas. "É uma análise estatística bastante
complicada", diz Lopes.
A primeira aplicação do método ocorreu com um
fóssil supostamente encontrado em Lagoa Santa, um dos maiores sítios
arqueológicos do país. Também pertencente ao Museu Nacional, a peça foi
testada, e, em 2001, constatou-se que era uma falsificação.
O objeto já havia sido descrito -como um pedaço
de crânio autêntico- por um grupo canadense de pesquisadores, na década
de 1980. Depois do teste, ficou provado que as peças haviam sido coladas
e recobertas por material mineral típico da região.
"O canadense veio, viu e se convenceu de que era
realmente uma montagem", conta Sheila Mendonça, médica e antropóloga da
Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que está trabalhando com Lopes nos
artefatos egípcios.
A coleção egípcia do Museu Nacional é composta
por várias peças raras, mas sua organização não é confiável. "Isso tudo
foi adquirido na época do Império. Uma parte veio com dom Pedro 1º,
outra com dom Pedro 2º", diz Mendonça. "Não temos certeza de que o que
diz a etiqueta corresponde ao que temos lá."
Os trabalhos com a primeira múmia testada devem
terminar em agosto. Além da fluorescência, que caracteriza os materiais
e os pigmentos, a tomografia permite a identificação do conteúdo dentro
da múmia -teste que também revela algumas surpresas.
"Já aconteceu de uma vez um teste de múmia
catalogada como de uma criança acabar revelando que havia o corpo de um
gato dentro", conta Mendonça.
Falsificações originais
O curioso é que não existe só um problema de
idade para constatar a legitimidade de uma múmia. Existem também as
chamadas falsificações originais. "Mesmo no Antigo Egito, os próprios
embalsamadores faziam falsificações", afirma Sheila Mendonça.
Estudos como esse, portanto, oferecem alguns bons
lampejos culturais sobre o modo de vida e os procedimentos técnicos
usados por aquela civilização numa época remota.
Por enquanto, a pesquisa de Mendonça e Lopes tem
sido feita de modo voluntário. Não há financiamento específico para o
teste das peças do Museu Nacional, e os pesquisadores têm usado seu
tempo livre e seus equipamentos para conduzir o estudo.
Eles pretendem chegar a testar o restante do
acervo, mas para isso devem apresentar uma formalização do projeto e
buscar fomento à pesquisa. "Isso deve acontecer no ano que vem", diz
Mendonça.
(Publicado no Folha On Line)
